Superman e o resgate do coração do herói
- Ronaldo Gillet
- 10 de jul.
- 6 min de leitura
Atualizado: 10 de jul.

Logo nos primeiros minutos, Superman (2025) nos entrega mais do que uma introdução épica - nos oferece um símbolo. James Gunn estrutura a abertura com repetições numéricas: “3 minutos, 3 décadas, 3 séculos, 30 anos...”. É quase um mantra. E não é por acaso. O número 3 carrega simbolismos profundos: representa o equilíbrio, a trindade, o ciclo da criação. Corpo, mente e espírito. Passado, presente e futuro. E é exatamente isso que Gunn faz nessa tão aguardada produção, conectando a alma atemporal do herói às urgências do nosso tempo.
Mas o que me pegou de verdade foi a forma como esse não é apenas mais um Superman. É o retorno do símbolo - não da invencibilidade, mas da empatia, da coragem de continuar acreditando nas pessoas (e em todo ser vivo). Um herói que não se limita a salvar trens ou deter vilões. Ele salva o que há de mais frágil na humanidade: a esperança.
E essa escolha não é aleatória. Desde que Jerry Siegel e Joe Shuster deram forma ao Superman em 1938, o personagem já carregava referências de outras mídias e culturas - do golem da tradição judaica aos heróis pulp, passando até por ecos de Moisés, enviado a um novo mundo dentro de um “berço flutuante”. O herói que nasceu como metáfora do imigrante que queria se integrar à sociedade americana, com o tempo, se tornou uma representação de força e virtude absolutas - até virar, em certos momentos, símbolo do próprio sistema que o criou. O Superman de Gunn revisita essas origens míticas e literárias, mas as reinterpreta à luz do presente: não um deus acima da humanidade, mas um guia moral disposto a descer ao nível do olhar, a compreender, a ouvir - sem jamais abrir mão da esperança.
O filme não enrola. Ele já começa com o Superman em desvantagem, no meio de uma batalha que, por um momento, parece maior do que ele. E ainda assim, a trama vai se costurando com inteligência, encontrando seus próprios pontos de equilíbrio à medida que avança. É impressionante como, mesmo começando com o pé no acelerador, a obra consegue nos conectar emocionalmente com os personagens e com os dilemas propostos.
É claro que Superman (2025) é um blockbuster na sua essência - e isso não é um demérito. Não temos uma tentativa em ser um épico mirabolante, nem de varrer discussões importantes pra debaixo do tapete. O mundo em que vivemos e o próprio legado do Superman diante desse universo super-heróico nos joga na cara a lição quase sempre ignorada de que os verdadeiros heróis não usam capa. E é nesse compasso preciso - que dosa ação, introspecção e construção narrativa - que o longa nos oferece tanto a gênese do novo vilão quanto a reinvenção de um Superman que ainda está se conhecendo. Ele ainda está descobrindo quem é, para quem existe e o que precisa representar para um mundo sedento de acolhimento. Tudo isso bem distribuído nas três partes do filme, ao longo de pouco mais de duas horas que (literalmente) passam voando.
David Corenswet abraça a missão de encarnar o Superman sob uma paleta de cores que exala força e ternura. Seu Superman é solar, mas não ingênuo. É puro, mas não alienado. E a grande virada emocional do filme vem quando ele confronta uma mensagem deixada por seus pais biológicos em Krypton - um conteúdo que não o acolhe da forma como esperava. Aquilo o abala. O quebra por dentro. Mas também o reconecta à sua essência terrena. Ao amor incondicional de seus pais adotivos, agora idosos, que continuam sendo sua maior base moral. E é desse atrito entre origem e criação que nasce um herói mais maduro. Capaz de perdoar. Capaz de escolher o bem mesmo quando o mundo grita pelo avesso.
Esse Clark não julga quem ele salva. Ele se entrega. Ele acredita no outro sem exigir retribuição. É a personificação da indulgência. E é isso que torna essa versão tão especial e, acima de tudo, tão necessária para um desgastado cinema de super-heróis.
A comparação com os quadrinhos é inevitável e, eu diria, proposital. Esse filme respira a essência do Azulão em suas grandes fases em como ‘Superman: As Quatro Estações’, de Jeph Loeb e Tim Sale; mas também a introspecção metafísica de ‘Identidade Secreta’, e a ambição narrativa de ‘Grandes Astros Superman’, de Grant Morrison. Gunn resgata o legado de décadas, da Era de Ouro à contemporânea, e o limpa das camadas de cinismo excessivo que as adaptações anteriores (me perdoa, Zack Snyder, mas você derrapou) vinham acumulando. O resultado é um Homem de Aço que não nega suas dúvidas, mas escolhe - e acolhe - continuar sendo uma bússola moral em um mundo que perdeu a direção.
E ele não está sozinho. Rachel Brosnahan entrega (em uma primeira perspectiva) uma Lois Lane forte, provocadora, racional. Uma jornalista que confronta o próprio Superman quando ele arrisca sua imagem para intervir em uma guerra entre dois países fictícios do Oriente Médio - desafiando interesses políticos e o próprio governo dos EUA. A troca entre eles não é só romântica; é ideológica. Eles se testam, se questionam. E por isso funcionam tão bem.
Jimmy Olsen, interpretado por Skyler Gisondo, também merece destaque. Um personagem canastrão, divertido, mas que carrega contradições. Às vezes em cima do muro, às vezes alheio à moralidade - sempre pensando duas ou três vezes antes de fazer a coisa certa e quase sempre tomando a melhor atitude. Como quase todos neste filme, ele é essencialmente uma pessoa. E é nesse mosaico de imperfeições que a história encontra força. O elenco é coeso, cheio de vida e incongruências - e por isso funciona.
Agora, o Lex Luthor de Nicholas Hoult é um espetáculo à parte. Provavelmente a versão mais perturbadora e realista já feita do vilão desde Smallville. Um arquétipo do poder disfarçado de racionalidade. Ele não quer apenas destruir fisicamente o Superman, mas desconstruí-lo publicamente. Usa fake news, redes de manipulação, ataques ao passado kryptoniano do herói. E tudo isso movido não por uma visão política, mas por algo que funde inveja e ego. Ele acredita que sua inteligência deveria se sobrepor à força do Superman. E para isso, transforma a sociedade e quaisquer pessoas que o cerquem em massa de manobra.
E é impossível não exaltar também a assertiva presença de Krypto, o Supercão que acompanha Clark em momentos-chave da trama. Mas não se trata apenas de um pet bagunceiro como o saudoso Marley - há uma ligação emocional profunda entre eles, que será explicada ao longo do filme e que revela uma dimensão ainda mais sensível do Superman. Aqui o filme encontra uma metáfora poderosa sobre zelo, responsabilidade e afeto incondicional. Em tempos tão duros, a simplicidade de um carinho, o som de patinhas pela casa ou a baguncinha de um cachorro ganham um peso emocional e simbólico. Krypto representa a pureza que sobrevive mesmo em meio ao caos, e sua presença adiciona um tempero de leveza, de humanidade e de ternura à narrativa.
Não por acaso, James Gunn se inspirou em um cão que ele próprio adotou para dar forma ao personagem, e isso se alinha com o cuidado que o diretor sempre demonstrou em relação à causa animal - como já havia deixado claro em Guardiões da Galáxia. Depois do filme, é impossível não sair da sala com vontade de abraçar o próprio cachorro, gato, ou até mesmo de adotar um bichinho de estimação. Krypto não é só um alívio cômico, mas um lembrete vivo de que o amor também se manifesta nas formas mais simples.
O filme ainda presta reverência ao passado com delicadeza. Em momentos-chave, a trilha sonora de John Williams ressurge, rearranjada, reimaginada, mas imediatamente reconhecível. É um lembrete de que estamos diante de algo familiar, mas novo. E é nessa mistura que a obra ganha poder.
Não é exagero dizer que esse Superman é também um marco. Assim como Homem-Aranha (2002) ou Homem de Ferro (2008), ele pode redefinir o interesse do público pelo gênero. Afinal, o que está em jogo aqui não é apenas o legado dos comandantes das DC no audiovisual, o destino de Metrópolis ou mesmo o surgimento de um novo universo compartilhado pelas próximas décadas. Trata-se da restauração de um arquétipo que o público precisava reencontrar.
A DC agora tem um futuro promissor. Com personagens como o Guy Gardner, um Lanterna Verde cínico e explosivo; a Mulher Gavião com agressividade e rompantes de quem voa e grita com uma maça de guerra nas mãos; o Metamorfo com seu senso de amor à família; ou o Senhor Incrível, que carrega inteligência e senso de humor na medida certa; há espaço para explorarmos heróis complexos sem perder a alma. E esse filme abre essa porta com coragem e coração.
Mais do que tudo, esse Superman entende algo essencial: as pessoas precisam de um herói. Um referencial. Uma ideia que aponte para alto e avante quando tudo ao redor nos puxa para baixo. E esse Superman entrega tudo isso sem arrogância, sem pregação, apenas com presença.
A verdade é que fiquei com vontade de ver mais. Mas também com um desejo de ser uma pessoa melhor. É um filme pra rir, chorar, pra ver com pai, com mãe, com avô, com filhos, com amigos. Um filme que conecta gerações. Que aproxima quem lê quadrinhos de quem nunca folheou um gibi. E que, mais do que tudo isso: reacende a fé no poder das boas histórias. Você já olhou pra cima hoje?
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