Schem ha-Mephorash reacende a lenda do Golem para uma nova geração de leitores
- Ronaldo Gillet
- há 4 dias
- 3 min de leitura

Me diz aí, leitor: existem quadrinhos que nos permitem revisitar histórias antigas de forma objetiva, sem muitos rodeios e floreios, correto? Mas, será que numa proporção menor - e ainda assim tão impactante quanto -, existem quadrinhos que nos lembram a razão de essas histórias continuarem vivas, anacronicamente? É bem provável que Schem ha-Mephorash: Uma Noite em Staronova, de Marcela Godoy e Sam Hart, publicado pela editora Conrad, faça as duas coisas ao mesmo tempo.
O resultado - numa curta e vertiginosa jornada de 32 páginas - é uma HQ curta, direta e surpreendentemente eficiente no que tange a atualizar a lenda do Golem para um público que transita com naturalidade entre tradição e tecnologia.
A trama acompanha um garoto que decide investigar o mito a partir do relato do bisavô, um soldado nazista que teria sobrevivido a um encontro com a criatura sempre presente em histórias de fantasia. Em vez de esconder suas descobertas, ele (o menino) resolve transmitir tudo pela internet, o que cria um contraste interessante: de um lado, uma figura ancestral que atravessa séculos; do outro, adolescentes experimentando seus limites em tempo real. Godoy entende essa dinâmica e a conduz sem exageros, deixando que o choque entre passado e presente reverbere com uma certa naturalidade.
O que dá força à obra do selo HQ Para Todos - iniciativa de publicação de quadrinhos com precinhos módicos da Conrad - é justamente essa ideia de que mitos não desaparecem, e sim se metamorfoseiam. Pesquisadores da memória cultural observam que lendas funcionam como mecanismos de transmissão de trauma e identidade. Aqui, essa função aparece de forma discreta, mas constante. A história do bisavô se catapulta para além de ser apenas um detalhe de roteiro, representando o peso de um passado que insiste em ser revisitado, mesmo quando a família preferiria deixá-lo onde está.
A arte de Sam Hart reforça bem essa atmosfera. Com um estilo marcado por sombras densas e transições rápidas entre tempos e espaços, o artista cria uma sensação de instabilidade que combina perfeitamente com o tema. Há momentos em que a narrativa visual parece quase documental, e outros em que desliza para o fantástico sem pedir permissão. Essa fluidez dá ritmo à leitura e lembra o porquê de Hart ter se tornado um nome tão bem falado dentro e fora do mercado brasileiro.
Por ser uma HQ curta, há quem espere menos dela. Mas Schem ha-Mephorash utiliza sua brevidade como vantagem. Não tenta abarcar toda a mitologia do Golem nem transformar o leitor em especialista no judaísmo europeu. No lugar disso, aposta em experiência, suspense e curiosidade; deixando no ar a sensação de que algo muito antigo voltou a circular pelas ruas estreitas de Staronova. É um recortemuito bem feito.
Vale destacar também a sintonia entre texto e imagem. Godoy escreve com economia inteligente, Hart complementa com linhas que dizem mais do que diálogos longos poderiam expressar. A HQ não se permite excessos, tentando parecer maior do que é. E é justamente por isso funciona tão bem.
Schem ha-Mephorash não quer ser a palavra final sobre o Golem e sim uma lembrança de que mitos só sobrevivem porque continuam encontrando pessoas dispostas a ouvi-los ou mesmo desafiá-los. É um trabalho sólido da Conrad, que segue investindo em quadrinhos nacionais de qualidade e mantendo acessível um tipo de literatura que merece (e precisa) circular. Gostou do nosso conteúdo? Que tal apoiar o Yellow Talk? O Yellow também é podcast e canal no YouTube, e seu apoio pode ajudar o nosso trabalho a crescer cada vez mais. A partir de R$2,00 você já vai estar contribuindo para manter nosso site no ar. Para dar o seu apoio, basta clicar AQUI.




Comentários