top of page

Beck e o poder de um primeiro acorde

  • Foto do escritor: Ronaldo Gillet
    Ronaldo Gillet
  • há 19 minutos
  • 3 min de leitura

ree

Tenho atravessado dias nebulosos, desses em que a mente parece um rádio fora de sintonia. Depois dos diagnósticos de depressão, TAG e TDAH, tudo dentro de mim ficou mais barulhento e silencioso ao mesmo tempo (sim, é paradoxal mesmo), como se o mundo inteiro respirasse alto enquanto eu procurava alguma frequência que fizesse sentido. E foi exatamente nesse cenário que Beck chegou, sem aviso, como quem sugere a alguém que há tempos não arranhava o violão que ganhou na infância a se permitir aprender a tocar, desta vez de verdade.


Logo nas primeiras páginas do mangá publicado originalmente na Shonen Magazine Mensal (entre 2000 e 2008), e agora trazido ao Brasil pela editora MPEG, senti algo dentro de mim se reorganizar, ainda que de maneira tímida. A história de Yukio Tanaka, um garoto de quatorze anos cheio de inseguranças e sem um único talento que o faça se destacar, me fez lembrar da existência de caminhos seguros, mesmo quando nada parece se encaixar.

ree

Yukio trafega pela vida do jeito que muita gente transita pela própria mente, tropeçando, sem grandes expectativas, acreditando que talvez seja melhor sequer tentar. Até que Ryusuke Minami surge como um guitarrista carismático e improvável, trazendo consigo um cachorro chamado Beck (que em sua aparência lembra um pequeno “cão Frankstein”) e algo como uma luz enviesada que muda tudo de lugar sem pedir permissão alguma.


Foi impossível não sentir um chamado à medida que mergulhei neste primeiro volume. Afinal, sempre toquei violão de forma descompromissada, só arranhando alguns acordes, sem coragem de atravessar o território onde a música exige entrega. De repente, nesse começo de uma trama até então desconhecida pra mim, fui catapultado na direção de uma vontade adormecida. Não como meta ambiciosa, mas como gesto de sobrevivência. A música, na jornada de Yukio, cresce como uma árvore regada por acolhimento e empatia, uma possibilidade de sentido, uma trilha que o guia para fora de si mesmo. Talvez eu possa fazer o mesmo por mim.

ree

E é curioso, porque Beck Volume 1 mantém um ritmo que alguns leitores consideram lento ou repetitivo, mas, para quem lê de dentro das próprias sombras, esse compasso faz sentido. É o passo natural do amadurecimento. O autor, Harold Sakuishi não tem pressa de entregar explosões. Ele prefere o detalhe, a hesitação, a respiração entre um acorde e outro, construindo com calma o terreno onde Yukio poderá crescer.


O mangá acompanha esse despertar com delicadeza. Yukio não vira músico de um dia para o outro, não nasce prodigioso, não tem iluminação divina. O que ele tem é curiosidade, espanto, medo e um brilho pequeno que Ryusuke percebe antes dele. Esse contraste, tão humano, constrói um ritmo bonito de se ver e ouvir, como acompanhar alguém afinando a própria alma aos poucos.

ree

O traço de Harold Sakuishi reforça essa vibração. A arte tem aquele charme dos anos 2000, carregada de expressões faciais que denunciam mais do que o diálogo ousaria dizer. As guitarras parecem pesadas de verdade, os cenários respiram melancolia e promessa, e a narrativa estática ainda assim parece musical, como se cada quadro tivesse guardado um fragmento de som. É uma estética que abraça o leitor e que, somada à sensibilidade do autor, explica por que tantos elogiam o tratamento emocional e quase nostálgico da obra.


A edição da MPEG - esse volume 2 em 1, com previsão de 17 ao todo - entrega uma experiência longa o bastante para que o leitor sinta a mudança acontecendo entre Yukio, Ryusuke e todos os personagens que orbitam esse início. Os materiais extras, como marca-página e postal, ajudam a reforçar o carinho da publicação.


O cuidado editorial e a proposta da coleção ficam evidentes já no primeiro contato. E, talvez mais importante que qualquer brinde, é a sensação de que esta é uma história que acolhe, que respira com quem lê, que não exige conhecimento musical para ser apreciada. As referências estão lá - discretas, bem colocadas e convidando o leitor a mergulhar no mundo do bom e velho rock n’ roll.


Ainda estou nos primeiros capítulos e este é meu primeiro contato com a obra, portanto tudo o que vejo até aqui funciona como uma semente musical que deve (assim espero) me permitir colher - parafraseando os Titãs - “o maior álbum de todos os tempos da última semana”. Fechei o primeiro volume com vontade de segurar o violão com mais respeito, de aprender a tocar direito, de transformar essa vontade em prática. E, para quem anda reaprendendo a respirar, isso já é mais do que suficiente. Gostou do nosso conteúdo? Que tal apoiar o Yellow Talk? O Yellow também é podcast e canal no YouTube, e seu apoio pode ajudar o nosso trabalho a crescer cada vez mais. A partir de R$2,00 você já vai estar contribuindo para manter nosso site no ar. Para dar o seu apoio, basta clicar AQUI.

Comentários


Aqui a gente fala sobre a cultura pop com bom humor e acidez na medida certa. Trazemos pautas que realmente importam e merecem ser discutidas.

FIQUE LIGADO NASREDES SOCIAIS

Compre pelo link e nos ajude

AMZN_BIG.D-8fb0be81.png

ASSINE

Assine nossa newsletter e fique por dentro de todo conteúdo do site.

Obrigado pelo envio!

© 2025 YELLOW TALK 

bottom of page