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Mangá Happyland desmonta o mito da família perfeita

  • Foto do escritor: Ronaldo Gillet
    Ronaldo Gillet
  • há 7 horas
  • 3 min de leitura

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Quando virei a última página de Happyland, fiquei com aquela sensação curiosa de quem acabou de atravessar um espelho. Mas não um daqueles espelhos que distorcem - como em parques de diversões -, e sim aqueles que revelam nossos piores segredos. Shingo Honda (autor de Creature e Ping Pong Dash - mangás ainda não publicados no Brasil) não criou um mundo apócrifo, e sim um reflexo incômodo do que todos nós preferimos manter escondido.


E antes que você pense que estou falando de dramas íntimos meus, já aviso que não é o caso. A história só cutuca o âmago (daqueles que vestem a carapuça) porque fala de algo que pode pertencer a qualquer pessoa com CPF, nome composto ou que tenha no smartphone um grupo de WhatsApp intitulado ‘Família e Agregados’.

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O parque onde a família Komiya desembarca parece inofensivo. Certamente, você já entrou em lugares assim: com luzes demais e alegria de menos. Só que Honda transforma essa visita em uma experiência de confronto. Quando um homem com cabeça de coelho exige confissões para permitir que alguém continue vivo, o horror deixa de ter relação com monstros e passa a ter uma ligação direta com verdades que a gente adia desde sempre. E, convenhamos, se existe algo que todo mundo teme é a sinceridade absoluta. Ela desmonta qualquer fachada.


Enquanto lia, percebi que o autor brinca com conceitos que tratam a família como o primeiro espaço onde tentamos existir de maneira inteira. Só que essa ‘inteireza’ falha quando acumulamos silêncios que viram rachaduras. E aí não tem ficção que dê conta. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) mostra que muita gente evita conversas difíceis por medo de conflito. A conta sempre chega. E chega com juros.

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Também me chamou atenção como Happyland toca num sentimento que você talvez conheça, mesmo sem nomear. Aquele momento em que parece que todo mundo entende o funcionamento da casa menos você. Uma estranheza diante do que deveria ser familiar. Neurodivergentes descrevem isso com uma clareza impressionante, mas posso garantir que não é exclusividade deles. Essa sensação atravessa o mangá com força, como se Honda tivesse colocado em imagens aquilo que muitos preferem ignorar.


O gore está espalhado pelas páginas, mas não é sangue e corpos distorcidos o que mais chama a atenção. O caos verdadeiro mora no instante em que cada personagem percebe que sobreviver significa se expor. Aquilo que evitamos há anos, aquele diálogo que nunca aconteceu, aquela frase que ficou entalada. De repente, tudo vira uma questão de vida ou morte. E talvez você faça a mesma pergunta que eu me fiz enquanto lia: o que aconteceria se alguém exigisse a minha sinceridade completa? E a sua? É aí que o mangá fica realmente inquietante.

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Algumas obras de horror pedem um leitor disposto a olhar para dentro do próprio labirinto. Happyland é exatamente isso. A obra quer bagunçar o leitor de dentro pra fora e quer que repensemos nossas certezas, silêncios e defesas nos fazendo entender que a família que a gente imagina e a família que a gente vive são estruturas diferentes. E que, sem cuidado, qualquer uma delas pode desabar.


Quando finalizei a leitura, não me identifiquei com a história no sentido literal, mas reconheci naquelas páginas algo universal. Todo mundo tem um pouco de vidro em suas paredes emocionais. E todo mundo já empurrou uma conversa para amanhã. Todo mundo já deixou uma verdade azedar. E, no fundo, todo mundo deveria considerar fazer terapia, nem que fosse para evitar um coelho gigante cobrando confissões no meio do caminho.


Por fim, Happyland assombra menos pela violência e mais pela precisão. Ele sabe onde cutucar. E cutuca com gosto. Porque, queiramos ou não, existe algo ali que pertence a todos nós.

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