Ouroboros e o Ciclo de Violência Sem Fim
- Carlos Pedroso
- 5 de ago.
- 2 min de leitura
Seria Ouroboros o maior hype sem hype? Talvez. Fui guiado pela confiança de minha amiga Déia, que, convicta, garantiu: “Pode ler sem medo, é realmente muito bom.” E, para surpresa de zero pessoas, não era apenas bom, era arrebatador.

A obra nos conduz pela jornada de Kesler, um policial que, após um episódio traumático, retorna à casa onde cresceu. É ali que ele se vê compelido a enfrentar o passado, a encarar as marcas deixadas por uma relação materna dilacerada. Determinado a cortar o cordão que o prende à dor e a renascer como um novo homem, Kesler descobre que quanto mais tenta se libertar, mais o futuro parece escapar de suas mãos.

Embora Ouroboros flerte com os elementos de um suspense, o que encontrei foi um drama familiar intenso — um ciclo interminável de violência e abuso que serpenteia de mãe para filho, como se o destino fosse uma herança maldita. Há momentos em que o trauma é tratado com uma sutileza quase etérea; em outros, é um soco no estômago. Essa oscilação mantém o leitor sempre em terreno incerto, sem saber ao certo o que é realidade, lembrança ou fantasma emocional. E é nesse jogo de espelhos que a obra brilha. Sua narrativa não linear, costurando passado e presente, nos lança para dentro da história como cúmplices silenciosos. Em mais de uma passagem, me vi revisitando minhas próprias memórias, algumas doces, outras espinhosas.

O grande triunfo de Ouroboros está na sua recusa em se vender como grandioso. Ele prefere se apresentar como uma história fragmentada, enigmática, na qual as lacunas são tão importantes quanto as respostas. Luckas Iohanathan maneja esse caos com um cuidado raro: mesmo ao tratar de temas pesados, violência doméstica, abuso psicológico, traumas de infância, evita o explícito, recusando o sensacionalismo gráfico. Ao contrário, amarra o peso da narrativa ao silêncio das imagens, à melancolia das cores.
E aí reside o charme absoluto de Ouroboros: a simbiose perfeita entre roteiro e arte. Iohanathan cria um casamento harmonioso entre o dito e o não dito, sustentado por uma paleta restrita de azuis e cinzas que parece filtrar a própria luz da história. Nos momentos de silêncio, a arte fala e fala alto.
Ao virar a última página, fui tomado por aquela estranha alegria triste, a mesma que vem quando se reconhece a beleza mesmo no que dói. As lembranças vieram como ondas, misturando saudade e ferida. E ficou a certeza: Ouroboros não é apenas sobre o peso do passado, mas sobre a urgência de romper ciclos antes que devorem tudo, como a serpente que morde a própria cauda.
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