Um mergulho em Corto Maltese: O Marinheiro dos Sonhos
- Carlos Pedroso
- 23 de jun.
- 8 min de leitura

Poucos personagens dos quadrinhos conseguiram capturar a imaginação dos leitores como Corto Maltese, o enigmático marinheiro criado pelo italiano Hugo Pratt. Nascido em Malta a 10 de julho de 1887, filho de mãe cigana (espanhola) e pai marinheiro (inglês), Corto Maltese é alto, de brinco na orelha esquerda, usa patilhas compridas, boné de marinheiro e não dispensa um cigarro. Com esse visual marcante e um olhar que mistura melancolia e aventura, Corto se tornou um ícone dos quadrinhos de autor, representando uma forma mais madura e poética de contar histórias em sequência.

As Origens de um Mito
Foi em 10 de julho de 1967, cinquenta anos atrás, que o quadrinista italiano Hugo Pratt publicou a primeira história do personagem. Inicialmente, Corto Maltese apareceu nas primeiras pranchas de Una Ballata del Mare Salato (A Balada do Mar Salgado), na altura ainda um personagem secundário. O sucesso do personagem, que levaria Pratt à consagração internacional, começou na França em 1969.
A criação de Corto não foi acidental. Hugo Pratt explicou a gênese do personagem em 1973, afirmando que ele parecia um personagem mediterrâneo, mas inserido em uma cultura anglo-saxônica, já que "na tradição narrativa anglo-saxônica há mais conto de fadas, mais lenda". Portanto, ele optou por um maltês, originalmente de um lugar onde muitas culturas se cruzaram - um elemento que seria fundamental para criar as diversas aventuras do personagem.
Pratt se inspirou em suas próprias experiências de juventude, quando viveu na Etiópia e teve contato com diversas culturas, além de sua paixão pela literatura de aventura e pelos mares do mundo. O nome "Corto" deriva do escritor argentino Julio Cortázar, enquanto "Maltese" faz referência à ilha de Malta, ponto estratégico no Mediterrâneo que sempre fascinou o autor.

Características Marcantes
Corto Maltese não é um herói tradicional. Ele é um personagem complexo, cheio de contradições: pode ser altruísta e egoísta, corajoso e cauteloso, romântico e pragmático. Aparentemente, Corto Maltese mostra que ele é um personagem cínico, individualista e egocêntrico, mas suas ações frequentemente contradizem essa fachada. Sua marca registrada é a linha da sorte que ele próprio desenhou na palma da mão esquerda com uma navalha, simbolizando sua crença de que cada um, forja o próprio destino. Fisicamente, é um homem elegante que contrasta com os ambientes muitas vezes rudes das aventuras que vive. O personagem segue um código moral peculiar: nunca mata ninguém diretamente, preferindo desarmar seus oponentes ou deixar que o destino se encarregue deles.

O Universo Narrativo e Sua Precisão Histórica
As histórias de Corto Maltese se passam principalmente entre 1904 e 1925, durante um período de grandes transformações mundiais. Pratt aproveitou eventos históricos reais como pano de fundo para as aventuras: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, conflitos coloniais e a ascensão de movimentos políticos que marcariam o século XX. Com o traço elegante e econômico de Pratt, Corto era um aventureiro do mar, um capitão que percorria vários países, no início do século 20. Os cenários são exóticos e cuidadosamente pesquisados: desde as ilhas do Pacífico até os canais de Veneza, passando pela Sibéria gelada e pelas selvas da América do Sul. Cada história é uma viagem geográfica e cultural, enriquecida pelo conhecimento enciclopédico de Pratt sobre história, literatura e antropologia.

O Legado Após Hugo Pratt
Hugo Pratt produziu vinte e nove histórias de Corto Maltese entre 1967 e 1991, vindo a falecer em 1995. Em 2015, o argumentista Juan Díaz Canales e o desenhador Ruben Pellejero criaram uma trigésima aventura, dando continuidade à vida de Corto Maltese.
A escolha desta dupla espanhola não foi casual. Canales e Pellejero conseguiram manter o espírito original das histórias, respeitando o estilo narrativo e visual estabelecido por Pratt. Suas histórias continuam explorando diferentes culturas e momentos históricos, sempre com o cuidado de preservar a personalidade única de Corto, mas trazendo uma abordagem ligeiramente mais moderna, adaptando alguns elementos para os leitores contemporâneos.

A Revolução Editorial da Trem Fantasma no Brasil
Casa do Corto Maltese no Brasil, a editora Trem Fantasma tem realizado um trabalho excepcional ao trazer o marinheiro maltês para o público brasileiro com edições de alta qualidade. A editora criou até mesmo um clube de assinaturas só para o Corto Maltese de Hugo Pratt, demonstrando seu comprometimento com a obra.
Até o momento já foram lançados sete volumes pela editora: quatro obras da continuação moderna de Canales e Pellejero (Sob o Sol da Meia-Noite, Equatória, O Dia de Tarowean e Noturno de Berlim) e três clássicos atemporais de Hugo Pratt (Uma Balada do Mar Salgado, Sob o Signo de Capricórnio e Sempre um Pouco Mais Distante). A coleção representa tanto a herança original quanto a evolução contemporânea das aventuras do marinheiro maltês.

Obras de Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero
Sob o Sol da Meia-noite (2021) A primeira aventura da dupla espanhola leva Corto à Rússia de 1917, em plena Revolução. A narrativa mergulha nos últimos dias do regime czarista e no caos subsequente, com Corto navegando entre revolucionários, aristocratas em fuga e místicos siberianos. A obra demonstra como a dupla conseguiu capturar a essência histórica e poética das aventuras originais.
Equatória (2022) Ambientada na África colonial francesa, esta aventura explora tensões raciais e culturais com a sensibilidade característica da série. Corto se vê envolvido em conflitos que revelam as contradições do imperialismo europeu, enquanto a narrativa combina elementos de aventura clássica com reflexões profundas sobre identidade cultural.
O Dia de Tarowean (2023) A terceira e última aventura da trilogia produzida pelos espanhóis Juan Diaz Canales e Rubén Pellejero é uma das histórias mais introspectivas da série. Passada em uma ilha paradisíaca do Pacífico, a aventura funciona como uma prequela perfeita, conectando-se diretamente com "Uma Balada do Mar Salgado". Corto reflete sobre destino, tradição e modernidade enquanto se envolve em conflitos locais.
Noturno de Berlim (2024) A mais recente aventura publicada no Brasil transporta Corto para a Alemanha pós-Primeira Guerra, em uma Berlim decadente e fascinante. A história explora os primórdios do que viria a ser o nazismo, mostrando o marinheiro navegando pela complexa política alemã em uma narrativa que combina suspense e análise social.

Obras Clássicas de Hugo Pratt
Uma Balada do Mar Salgado (2023) Considerada um clássico da literatura mundial, Uma Balada do Mar Salgado foi publicada originalmente na Itália em 1967 e na França entre 1973, consagrando seu criador, Hugo Pratt, como uma das grandes personalidades artísticas do século XX. O álbum de estreia do Ulisses moderno, Corto Maltese, que dispensa poder e riqueza em favor da liberdade, um dos personagens mais importantes das histórias em quadrinhos de todos os tempos. Esta obra-prima fundadora apresenta Corto e seus companheiros Rasputin, Cranio e Cain em uma aventura épica no Pacífico durante a Primeira Guerra Mundial. A edição da Trem Fantasma traz a história completa de Uma Balada do Mar Salgado no traço original em preto e branco do mestre Hugo Pratt em uma edição repleta de extras.

Sob o Signo de Capricórnio (2024) Coletânea de histórias curtas que revela diferentes facetas de Corto, desde aventuras na América do Sul até encontros místicos. Estas narrativas demonstram a versatilidade de Pratt, alternando entre ação pura e contemplação filosófica, sempre mantendo o tom poético que caracteriza a série.
Sempre um Pouco Mais Distante (2024) Volume que os assinantes do clube recebem, representando a continuação natural das aventuras e explorando novos aspectos da personalidade complexa de Corto. As histórias alternam entre momentos de intensa ação e profunda reflexão interior.
As Célticas (Lançamento em 2025) A mais aguardada publicação da Trem Fantasma reunirá as aventuras de Corto na Irlanda e Escócia. Esta coletânea é considerada uma das mais importantes da série, explorando mitologia celta, tradições ancestrais e o lado mais místico do universo de Pratt.
Ordem de Leitura para Novos Navegadores
Para quem embarca pela primeira vez nas aventuras do marinheiro maltês, recomenda-se começar com as obras originais de Hugo Pratt:
Saga Clássica (Hugo Pratt)
Uma Balada do Mar Salgado - A origem épica de tudo
Sob o Signo de Capricórnio - Desenvolvimento e aprofundamento do personagem
Sempre um Pouco Mais Distante - Consolidação narrativa
As Célticas - O amadurecimento poético da série

Continuação Moderna (Canales & Pellejero)
Sob o Sol da Meia-noite - Introdução respeitosa ao trabalho da dupla espanhola
Equatória - Consolidação do novo estilo narrativo
O Dia de Tarowean - Reflexão e conexão com as origens
Noturno de Berlim - A mais recente aventura disponível

Curiosidades que Navegam pela História
A Cicatriz Real de Pratt: O próprio Hugo Pratt tinha uma cicatriz na palma da mão, resultado de um acidente na juventude. Ele transformou essa marca pessoal na famosa "linha da sorte" de Corto, um dos elementos mais icônicos do personagem.
Biblioteca Ambulante: Cada história de Corto Maltese contém referências a obras literárias clássicas. Pratt era um leitor voraz e incorporava elementos de Joseph Conrad, Robert Louis Stevenson, Herman Melville e muitos outros autores em suas narrativas, criando um verdadeiro diálogo entre literatura e quadrinhos.
Precisão Geográfica Obsessiva: Pratt visitou pessoalmente muitos dos locais onde ambientou as aventuras de Corto. Suas descrições geográficas são tão precisas que muitos leitores usam os quadrinhos como autênticos guias de viagem, especialmente para locais exóticos do Pacífico.
Simbolismo nas Tatuagens: As tatuagens de Corto não são meramente decorativas. Cada uma possui significado específico, relacionado às culturas que ele encontrou em suas viagens. Elas funcionam como um mapa visual de sua jornada pessoal.
Influência na Moda Internacional: O visual atemporal de Corto Maltese influenciou estilistas e designers ao redor do mundo, tornando-se referência de elegância masculina. Sua combinação de camisa branca, colete e calças escuras continua sendo copiada décadas depois.
O Código Moral Único: Corto jamais mata diretamente seus inimigos, seguindo um código de honra pessoal que o diferencia de outros heróis de aventura. Essa característica reflete a visão humanística de Pratt sobre heroísmo e violência.

Adaptações e Reconhecimento Mundial
Corto Maltese, o marinheiro criado pelo italiano Hugo Pratt em 1967, ganhará um filme em live-action. A película será dirigida pelo francês Christophe Gans (Silent Hill, O Pacto dos Lobos), com roteiro de William Schneider, demonstrando como o personagem continua relevante para novas mídias.
O impacto cultural de Corto transcendeu os quadrinhos: na Itália existe um museu dedicado ao personagem, suas aventuras foram adaptadas para animação premiada, inspiraram composições musicais e influenciaram uma geração inteira de quadrinistas europeus e mundiais.

O Renascimento Brasileiro e a Qualidade Editorial
O material clássico do personagem foi lançado no Brasil pelas editoras L&PM, Ediouro/Pixel Media e Autêntica/Nemo, porém, alguns álbuns ainda permaneciam inéditos no país até a chegada da Trem Fantasma. A editora não apenas trouxe títulos inéditos, mas também elevou o padrão de qualidade das publicações nacionais.
A editora também já publicou "A Mão de Deus – Uma biografia de Hugo Pratt", livro escrito pelo espanhol Ángel de la Calle, expandindo ainda mais o universo maltês disponível para os leitores brasileiros. As edições da Trem Fantasma primam pela qualidade da tradução, papel superior e acabamento gráfico, mantendo o tom poético e a complexidade cultural das histórias originais.
O clube de assinaturas oferece descontos exclusivos, brindes únicos de colecionador e frete grátis, criando uma verdadeira comunidade de leitores apaixonados pelo marinheiro maltês.

Navegando Rumo ao Futuro
Mais de 55 anos após sua criação, Corto Maltese continua navegando pelos mares da imaginação, provando que algumas histórias são verdadeiramente atemporais. Meio século depois do primeiro embarque na Balada do Mar Salgado, os ventos da realidade voltam a empurrar-nos para ele.
No Brasil, graças ao trabalho meticuloso da Editora Trem Fantasma, uma nova geração de leitores está descobrindo a riqueza narrativa e visual desta obra-prima dos quadrinhos mundiais. As edições cuidadosas, o respeito ao material original e a construção de uma verdadeira comunidade de fãs fazem dessas publicações não apenas livros, mas verdadeiros tesouros de colecionador.
Em cada aventura, descobrimos não apenas novos mundos, mas também aspectos inexplorados da natureza humana, sempre com a elegância melancólica que faz deste marinheiro sem pátria um dos personagens mais memoráveis já criados nos quadrinhos. Corto Maltese permanece como um farol literário, guiando leitores através das tempestades da vida com a sabedoria silenciosa de quem já navegou por todos os mares possíveis.

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