top of page

O surrealismo de Nejishiki

  • Foto do escritor: Carlos Pedroso
    Carlos Pedroso
  • 24 de abr.
  • 2 min de leitura

Lá em 1968, quando o Japão fervia com protestos estudantis e uma juventude querendo virar o mundo de cabeça pra baixo, a revista Garo — verdadeiro berço do mangá experimental — resolveu dedicar uma edição inteira a Yoshiharu Tsuge, um autor já cultuado por quem buscava algo além das aventuras e lutinhas tradicionais dos quadrinhos.

Foi nessa edição que surgiu Nejishiki (ou Estilo Parafuso), uma HQ curtinha, mas que parece ter vindo direto do inconsciente. A história começa simples (ou pelo menos parece): um jovem com um corte profundo no braço vaga por uma cidade estranha, em busca de um médico. Mas logo tudo começa a se desfazer — o tempo vira um fluxo quebrado, o espaço se dobra, e cada cena parece saído de um sonho ruim, daqueles que a gente acorda suando sem saber explicar.

As paisagens mudam do nada, os personagens aparecem e somem sem muita lógica, e a tal ferida no braço nunca é só uma ferida. É como se Tsuge abrisse a mente dele e deixasse a gente espiar lá dentro, sem filtros. O parafuso do título não é à toa: tem sempre algo fora do lugar, algo solto, desencaixado — no mundo e no protagonista.


Tem cena que parece poesia visual: uma mulher costura o braço do rapaz com frieza quase mecânica, enquanto ele encara o vazio. Tem cidade costeira com cheiro de abandono, tem rostos que parecem máscaras, tem silêncio que grita. É Kafka misturado com o zen-budismo, com um traço sujo e melancólico que dá vontade de reler só pra tentar entender — ou aceitar que nunca vai entender mesmo.


Desde que foi lançado, Nejishiki virou uma espécie de lenda. Foi inspiração pra outros quadrinhos, videogames e até um filme em 1998 com o ator Tadanobu Asano (o mesmo de Xógum). E continua provocando leitores, artistas, psicólogos e todo tipo de curioso que se arrisca por esse labirinto de símbolos.

No fim das contas, Nejishiki não é só uma história: é uma viagem ao lado mais esquisito da existência. Um sonho que a gente não sabe se quer esquecer ou revisitar. E pode ser interpretado como uma metáfora da alienação moderna. Publicado em um Japão pós-guerra, em rápida industrialização, o mangá expressa a confusão e a angústia de um indivíduo desconectado da realidade, em busca de sentido num mundo que perdeu suas referências.


Gostou do nosso conteúdo? Que tal apoiar o Yellow Talk? O Yellow também é podcast e canal no YouTube, e seu apoio pode ajudar o nosso trabalho a crescer cada vez mais. A partir de R$2,00 você já vai estar contribuindo para manter nosso site no ar. Para dar o seu apoio, basta clicar AQUI


2 Comments


Angela Ikeda
Angela Ikeda
Apr 24

Segue um tom de terror, ou é só a realidade que assusta?

Like
Carlos Pedroso
Carlos Pedroso
Apr 24
Replying to

A realidade é mais assustadora

Like

Aqui a gente fala sobre a cultura pop com bom humor e acidez na medida certa. Trazemos pautas que realmente importam e merecem ser discutidas.

FIQUE LIGADO NASREDES SOCIAIS

Compre pelo link e nos ajude

AMZN_BIG.D-8fb0be81.png

ASSINE

Assine nossa newsletter e fique por dentro de todo conteúdo do site.

Obrigado pelo envio!

© 2023 YELLOW TALK 

bottom of page