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Capitão América 4 e a era dos heróis covardes

Foto do escritor: Ronaldo GilletRonaldo Gillet

O cinema de super-heróis já foi um fenômeno cultural incontestável. Multidões lotavam as salas para acompanhar as aventuras de seres poderosos enfrentando ameaças colossais, equilibrando espetáculo e subtexto político. Mas os tempos mudaram. A estreia de ‘Capitão América: Admirável Mundo Novo’ deixou evidente essa transformação.


Pelo menos na sessão em que assisti ao filme, em um cinema de Belém do Pará, a sala estava longe de estar lotada, algo que se tornou lugar comum no pós-pandemia e, mais ainda, a partir da multiplicação dos serviços de streaming. O público parece cada vez menos disposto a comparecer às telonas para assistir a mais um capítulo de um universo que já não gera o mesmo entusiasmo de tempos não tão passados assim.


Isso não acontece por acaso. A fadiga dos filmes de super-heróis é uma realidade e, diante dela, as produções do gênero precisam justificar sua relevância. A Marvel Studios, que em sua era de ouro cinematográfica, soube combinar ação e subtexto político de maneira exemplar, agora abraça uma abordagem mais segura, um refúgio na nostalgia de suas primeiras fases. O problema é que, como quem tenta vestir um uniforme desbotado que há tempos estava guardado no fundo do armário, Admirável Mundo Novo abdica de qualquer senso de urgência narrativa e se dissolve numa lógica de modernidade líquida, tornando-se apenas mais um filme em um mercado saturado.


A mudança de título da produção já dizia muito sobre o que a primeira missão de Sam Wilson como Capitão América encontraria como “pote de ouro” no final de um arco-íris pra lá de saturado. Quando anunciado como Nova Ordem Mundial, o filme sugeria um embate ideológico relevante, uma possível discussão sobre poder e controle em tempos de crise e polarização. Admirável Mundo Novo, por outro lado, evoca a visão de Aldous Huxley, autor da obra literária homônima, onde o controle se dá não por uma ditadura, mas por uma manipulação sutil e pelo conformismo. E, ironicamente, é exatamente isso que acontece aqui. O longa evita qualquer polêmica e nos entrega um Capitão América kamikaze não por colocar seus ideais acima de tudo, mas por ser forçado pela indústria que o criou (e não por Wakanda que o vestiu) a carregar um escudo sem propósito.

(Crédito da imagem: Marie Severin (Marvel Comics)
(Crédito da imagem: Marie Severin (Marvel Comics)

O Sam Wilson dos quadrinhos sempre foi uma figura combativa, que desafiava abertamente o ufanismo estadunidense, os pilares das instituições corruptas e não hesitava em expor os limites da própria nação que representava. No entanto, em sua mais recente e enlatada versão cinematográfica, seu posicionamento é diluído. O eventual futuro líder dos Vingadores no MCU é um homem de princípios, sim, mas que pouco questiona, ainda que tente vencer injustiças (principalmente com o destino de Isaiah Bradley). A verdade é que ele parece estar ali apenas para reagir, e não para provocar mudanças. Não é exagero dizer que o MCU propositalmente cortou as asas do novo Capitão América.


Não que a produção seja desprovida de qualidades técnicas. As cenas de ação são bem coreografadas, os efeitos visuais impressionam e há momentos de adrenalina para os entusiastas de filmes de ação, principalmente quando o Sam Wilson de Anthony Mackie utiliza suas habilidades de voo no campo de batalha. Mas nada disso compensa a falta de substância. O filme se estrutura em torno de um vilão genérico que teria poder suficiente pra ter saído das sombras quando bem quisesse (quem lê quadrinhos sabe do que o ‘Líder’ é capaz…), de uma conspiração pouco inspirada e de conflitos que carecem de peso real. A introdução do Hulk Vermelho de Harrison Ford - que substituiu o falecido William Hurt como o General Thaddeus Thunderbolt Ross - poderia ter sido uma espécie de deus ex machina para a trama -, mas a presença do personagem (mostrado em excesso durante a campanha de divulgação do filme) se resume a um artifício narrativo sem grande impacto.


A sensação que fica é que a Marvel não sabe mais para onde levar seus heróis. Há uma hesitação visível em se comprometer com quaisquer ideias mais profundas, como se o estúdio temesse que o público rejeitasse um filme com mais ousadia e impacto social. O resultado é um blockbuster tecnicamente competente, mas sem alma e que repete fórmulas sem acrescentar nada de novo.


E isso torna tudo ainda mais frustrante quando lembramos de onde Sam Wilson veio. Criado nos quadrinhos na década de 1960, em plena luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, o Falcão foi um dos primeiros super-heróis negros da Marvel e sempre teve uma carga política fortíssima. Um homem vindo do Harlem, que enfrentava o racismo e a desigualdade enquanto lutava ao lado do Capitão América. Seu manto carregava significado. O Sam dos quadrinhos simbolizava mudança, resistência e questionamento. No cinema, ele caminha para se tornar apenas mais um soldado pouco questionador, uma sombra de sua própria relevância histórica.


O Capitão tá América de Sam Wilson merecia mais. E nós, espectadores, também.


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