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Foto do escritorRonaldo Gillet

A CCXP 2024 e a Utopia do Épico


A CCXP, o maior evento de cultura pop da América Latina, é uma explosão de cores, criatividade e paixão que reúne fãs, organizadores, artistas e cosplayers em uma celebração única. É um espaço onde sonhos se materializam, ídolos são encontrados e histórias ganham vida, saltando das páginas dos quadrinhos ou dos frames das grandes produções audiovisuais. Contudo, o evento também reflete a realidade do Brasil e seu eterno status de "país em desenvolvimento": uma experiência grandiosa, mas com barreiras de acesso que limitam quem pode vivenciá-la plenamente.

Eu (O Véio Nerd), minha esposa (Rúbia), enteada (Carol) e filhote (Samir) na CCXP 2024

Viajar de Belém do Pará para São Paulo pelo segundo ano consecutivo, desta vez acompanhado por minha esposa, Rúbia, meu filho Samir, de 17 anos, e minha enteada Carol, de 23, foi uma decisão que exigiu muito planejamento, especialmente no aspecto financeiro. Com passagens de avião custando cerca de R$ 800 cada, hospedagem em um apartamento alugado (por meio do aplicativo de e-comerce de viagens para aluguel por temporada Airbnb) por cinco dias (um investimento de aproximadamente R$ 1.000), alimentação ao longo do período (cerca de R$ 800, entre lanches, almoços e jantares), e ingressos que totalizaram quase R$ 2.000 para quatro pessoas, o custo final da viagem se mostrou significativo. Em um país onde tantas famílias enfrentam dificuldades econômicas, é evidente que, apesar de ser um sonho para muitos, a CCXP permanece inacessível para uma grande parcela da população.


E essa exclusividade levanta questões. Como podemos tornar um evento tão significativo ao menos um pouco mais acessível para brasileiros de diferentes realidades? Afinal, cultura é um direito, não um privilégio.


Os primeiros passos em um mar de possibilidades

@tallclark, cosplayer de Clark Kent e Superman, na CCXP 2024

Chegar na CCXP é como desembarcar em outro planeta, e isso não é um exagero. As luzes vibrantes, os sons intensos e as multidões criam uma atmosfera única, quase surreal. No entanto, logo percebi os desafios que surgiriam: as filas intermináveis, o cansaço acumulado pelo deslocamento entre os painéis e o local onde meu nicho – o dos entusiastas da nona arte – estava situado. Era necessário, então, aprender a priorizar experiências para aproveitar ao máximo o evento, sem perder o foco no que realmente importava.


Por exemplo, um dos momentos mais aguardados para mim era a possibilidade de conversar com Chris Claremont, roteirista icônico de X-Men. Mesmo não estando credenciado como imprensa (tentei pelo segundo ano consecutivo e mais uma vez fui reprovado), queria muito fazer uma ou duas perguntas para ele, mas a fila era tão longa que seria impossível aproveitar o restante do evento se eu ficasse ali. Essa foi uma das escolhas difíceis que tive que fazer, especialmente por estar com minha família, equilibrando minha paixão pelos quadrinhos com o desejo de proporcionar a eles a melhor experiência possível.

Samir, meu filho (esquerda), ao lado do Phoenix, do Flow Games

Meu filhote Samir se encantou com os espaços gamers. Ele não apenas experimentou jogos, mas também tirou fotos com figuras conhecidas de um universo que ele acompanha de perto há algum tempo. Já Carol ficou fascinada pelos cosplayers, elogiando a criatividade e a dedicação de quem se transforma em seus personagens favoritos. Para eles, a CCXP foi pura magia, exatamente como é vendido por seus idealizadores.


Encontros que valem a viagem

Ricardo Cidade e Marcello Fontana, no estande da Trem Fantasma

Se há algo que nunca decepciona na CCXP, é o Artists’ Valley - mesmo num local inadequado, ao meu ver. Conversar pessoalmente com artistas que dedicam suas vidas às Hqs é uma experiência única. Foi lá que tive a chance de falar com Peter Kuper, autor de O Sistema, publicado no Brasil pela Editora Monstra e que figurou entre as melhores leituras que realizei em 2023. Kuper expressou admiração pela paixão dos fãs brasileiros e comentou como o evento é uma janela para novas oportunidades. “Estar aqui é inspirador. Os leitores brasileiros têm um carinho que não encontro em outros lugares”, declarou, visivelmente emocionado.


Já no estande da editora Trem Fantasma, reencontrei Marcello Fontana e conheci Ricardo Cidade, que estavam promovendo ‘A Imaculada’, uma HQ que revisita a época do cangaço. Fontana estava entusiasmado, explicando como a obra combina tradição e inovação para trazer uma nova perspectiva sobre o sertão. “Queremos mostrar que o cangaço é mais do que história: é resistência, é identidade brasileira”, disse ele, enquanto Ricardo Cidade autografava um exemplar com dedicatória ao Véio Nerd, meu projeto solo nas redes sociais.


Ainda no estande da Trem Fantasma, tive a oportunidade de conversar com Rubén Pellejero, coautor de Corto MalteseNoturno de Berlim, uma das mais recentes aventuras do lendário marinheiro maltês criado por Hugo Pratt. Ao lado de Juan Díaz Canales, de Blacksad, Pellejero trouxe uma nova perspectiva à obra com um enredo envolvente e uma arte impecável. Ele compartilhou detalhes sobre a edição da Trem Fantasma, que, além da história, inclui esboços, comentários dos autores e uma contextualização histórica.

Jô Oliveira (de vermelho) e seu 'O Homem de Canudos'

Outro encontro memorável que tive foi com Jô Oliveira, um verdadeiro ícone da nona arte nacional. Aos 80 anos recém completados, ele compartilhou sua experiência ao publicar O Homem de Canudos na Itália, em 1979, pela editora Bonelli. Sua generosidade e disposição para conversar fizeram com que todo o esforço e investimento para estar na CCXP24 realmente valessem a pena. “A arte brasileira tem um lugar no mundo. Só precisamos acreditar nela e investir nas próximas gerações”, disse ele, com a sabedoria de quem tem décadas de história para contar.


E não posso deixar de mencionar Thiago Kreening, que me presenteou com ‘Vai Ser Épico?’, uma HQ que ele estava lançando no evento e que mistura ficção e realidade ao narrar a aventura de um grupo que superou enchentes no Rio Grande do Sul ocorridas em 2024 para participar da CCXP. A obra, embora curta, é carregada de emoção e resiliência, mostrando como a cultura pop pode ser um refúgio até nos momentos mais difíceis.

Tainan Rocha e sua participação em 'Coringa O Mundo'

Durante meus dois dias no evento, também, tive o privilégio de conversar com artistas que estão transformando o quadrinho nacional. André Diniz, autor de Muzinga pela Comix Zone, compartilhou sua empolgação com um projeto que traz à tona a trajetória de um homem bicentenário. Tainan Rocha, responsável pela arte da porção brasileira de Coringa: O Mundo, lançado pela Panini, me falou sobre sua abordagem única ao inserir o vilão no contexto brasileiro. Também entrevistei Marcel Bartollo e Wander Antunes, este último, por meio de uma parceria entre as editoras Trem Fantasma e Ultimato do Bacon, lançou a cômica HQ ‘A Odisseia de Gonçalo Bombom’ na CCXP. 


O potencial (e os desafios) do Artists’ Valley


O Artists’ Valley é o coração pulsante da CCXP, mas sua localização logo na entrada do evento deixa a desejar. Muitas pessoas passam apressadas por ali rumo aos grandes estandes como os da Amazon, Paramount e Disney, e raramente retornam. Essa dinâmica prejudica os artistas independentes, que pagam para estar ali e dependem do público para divulgar suas obras.

Kevin e Daniel (da esquerda para a direita) lançaram a editora Poptopia na CCXP 2024

Talvez seja hora de repensar a distribuição dos espaços no evento. Colocar o Artists’ Valley no centro da CCXP, literalmente no coração do evento, poderia aumentar a visibilidade dos quadrinistas. Afinal, eles são a base da cultura pop que todos tanto celebram.

Rafael Grampá, autor de Gárgula de Gotham, também marcou presença na CCXP 2024

Comparada a edições anteriores, a CCXP 2024 foi mais modesta em termos de atrações internacionais. Em anos passados, vimos artistas e diretores de grandes filmes da Marvel e DC, como Robert Downey Jr., Chris Hemsworth e Henry Cavill, marcar presença, criando momentos que pareciam saídos de um sonho. Este ano, no entanto, a programação foi menos impactante, deixando uma lacuna agridoce no ar.


Os painéis das grandes empresas ainda atraem multidões, como sempre, e houve algumas presenças de peso, como os atores Anya Taylor-Joy, Miles Teller, Adam Scott, Britt Lower, Tramell Tillman e Dan Erickson, mas será que o esforço de enfrentar filas de três ou quatro horas compensa? Para muitos, sim. Mas, para quem deseja explorar todas as facetas do evento, é difícil equilibrar tempo e energia, especialmente quando as atrações internacionais não têm o mesmo peso que nos anos anteriores.


Um evento para todos?

André Diniz, autor do recém lançado 'Muzinga', pela Comix Zone

A CCXP tem o potencial de ser um evento verdadeiramente democrático, mas isso exigiria mudanças significativas. Para começar, pacotes familiares poderiam ser criados, reduzindo os custos e permitindo que mais brasileiros tivessem acesso. Além disso, promoções regionais poderiam incentivar pessoas de fora do eixo Sul-Sudeste a participarem.


Cultura pop é conexão, e a CCXP é um espaço onde essa conexão acontece. Mas, enquanto muitos brasileiros ainda enxergam o evento como algo inalcançável, ele não será verdadeiramente épico.


Reflexões para o futuro

Rúben Pellejero, quadrinhista espanhol com trabalhos publicados pela editora Trem Fantasma

Ainda que eu tenha feito muitas críticas (construtivas) minha experiência na CCXP foi memorável - principalmente pelo fato de que compartilhei boas sensações com meus familiares. Estar ao lado da minha família no evento foi uma aventura que combinou satisfação e sacrifício. Entre os encontros inesquecíveis e os desafios logísticos, ficou a certeza de que a CCXP é um playground sensacional, mas que pode evoluir.


Idealizo no fundo da minha alma nerd uma CCXP onde o Artists’ Valley seja o centro das atenções, onde filas sejam mais organizadas e onde mais famílias brasileiras possam viver essa experiência. Afinal, cultura pop é sobre compartilhar histórias, e histórias, como sabemos, só ganham vida quando alcançam o maior número possível de pessoas.


Como se preparar para viver (e registrar) a CCXP?


Participar de um evento como a CCXP pode ser uma experiência transformadora, mas também exige planejamento. Seja para passear com a família ou criar conteúdo, algumas estratégias podem fazer toda a diferença.


Anote as dicas abaixo se você quer apenas passear e curtir as atrações:


1. Planeje com antecedência:


As vendas de ingressos começam meses antes do evento. Garanta o seu o quanto antes e, se possível, opte por pacotes que incluem transporte e hospedagem. Assim, você evita imprevistos e economiza.


2. Defina suas prioridades:


O evento é imenso e pode ser esmagador. Antes de ir, confira a programação e escolha os estandes, painéis e artistas que você não quer perder. Isso evita perder tempo decidindo no dia.


3. Chegue cedo:


Filas são inevitáveis, especialmente para as atrações mais populares. Chegar cedo ajuda a aproveitar melhor o dia e evita perder atrações importantes.


4. Leve itens essenciais:


Uma mochila com garrafa d'água, lanches, carregador portátil e uma muda de roupa confortável pode salvar o dia. Afinal, o evento exige muita energia e paciência.


5. Explore além do óbvio:


Enquanto os grandes estandes chamam a atenção, reserve um tempo para o Artists’ Valley. Lá, você encontra obras únicas e tem a chance de conhecer os artistas por trás delas. É uma experiência íntima que poucos exploram.


Para quem quer criar conteúdo no evento:


1. Tenha um foco claro:


Pense no tipo de conteúdo que você deseja produzir. É sobre os lançamentos? Entrevistas com artistas? Cobertura geral? Ter um objetivo ajuda a organizar seu tempo e definir prioridades.


2. Organize suas ferramentas:


Certifique-se de que câmeras, microfones e celulares estão carregados e funcionando. Leve baterias extras e cartões de memória, porque você não quer perder um momento por falta de equipamento.


3. Prepare-se para as entrevistas:


Faça uma lista de artistas ou profissionais que estarão no evento e elabore perguntas curtas e interessantes. Pesquise suas obras e esteja pronto para conversar.


4. Invista na mobilidade:


Se você pretende cobrir várias áreas do evento, use roupas confortáveis e uma mochila leve ou com rodinhas. Isso facilita circular pelo espaço e capturar mais momentos.


5. Seja estratégico com horários:


As manhãs costumam ser mais tranquilas. Use esse período para gravar em áreas movimentadas antes que fiquem cheias. Já à tarde, aproveite os horários de painéis ou grandes atrações para explorar locais menos lotados.


6. Conecte-se com outros criadores:


Aproveite o evento para fazer networking. Trocar contatos e ideias com outros criadores pode render colaborações futuras e insights valiosos.


7. Edite rápido, mas com qualidade:


Se possível, leve um laptop ou tablet para editar conteúdo no mesmo dia e postar enquanto o evento ainda está quente nas redes. Isso aumenta a relevância e engajamento.


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1 Comment


Emerson Pinheiro
Emerson Pinheiro
Dec 13, 2024

Ótima reportagem, parabéns pelo texto

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