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O paradoxo do artista negociante

  • Foto do escritor: isaquesagara
    isaquesagara
  • 15 de fev. de 2023
  • 3 min de leitura

Atualizado: 16 de fev. de 2023

Não é só nas histórias em quadrinhos e no cinema que os personagens vivem vidas duplas, dividindo-se entre o que anseiam para si e o que lhes é cobrado pela sociedade. A vida do artista brasileiro segue nesse rumo, como o personagem Julius (Terry Crews) do seriado norte americano "Todo mundo odeia o Chris"; o artista precisa ter no mínimo dois empregos, não apenas para sustentar a si mas também para sustentar sua paixão pela arte.

O capitalismo mercantilizou a tudo, inclusive a vida do artista que se tornou um negociante de si mesmo.

Mas, negociar o que? A palavra negócio significa negar ao ócio, ócio que seria o tempo dedicado à contemplação e reflexão indispensáveis à arte. Se time is money, o artista negocia o tempo, vendendo o tempo para comprar tempo.

E é aqui que o artista brasileiro precisa ter um emprego para si e outro para manter a arte. Claude Monet disse que a arte é "um luxo que precisa de mãos descansadas".

Mas aqui a situação é outra, pois o artista nacional produz, desenhando, cantando, atuando, escrevendo, colorindo, editando, catalogando, orçando, divulgando, administrando, vendendo, empacotando, distribuindo e respondendo feedbacks; raramente ou nunca tem espaço para o descanso, longe dos estereótipos boêmios dos cinemas, para sobreviver há sempre uma árdua labuta.

O modo de vida contemporâneo é sisifiano, apregoando o mito meritocrático do sucesso sustentado pelo esforço. Tudo é mercantilizado e desumanizado, coisificado, o que coloca o artista em uma posição não-humana.

Muitas vezes esse artista que não tem mãos descansadas em dia nenhum da semana, não consegue usufruir da arte, passando a ser mero produtor, alienado de sua própria produção.


Analisando o fundamento constitucional da valorização do trabalho e da livre iniciativa, que institui o capitalismo como modelo econômico nacional. Poderíamos nos perguntar o que isso teria a ver com arte e com o artista? O valor do trabalho não é mensurado pelo esforço mas sim pela rentabilidade. Isso explica o desprestígio dado ao trabalho dos estudantes e das donas do lar. Caso o artista não consiga se sustentar financeiramente com a arte produzida em seu negócio, será visto como vagabundo; caso consiga um outro emprego para manter essa produção ela passará a ser vista como hobby. Há então uma desvalorização total da produção artística e uma situação aparentemente sem saída. Paradoxalmente, a solução nos é apresentada com livros de autoajuda, do tipo 5 passos para o sucesso, quase sempre servidos de slogans como Never give up, que lamentavelmente costumam ser seguidos de outro termo estrangeiro o Burnout.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche disse que "temos a arte para não morrermos da realidade", ao passo que o historiador Gombrich disse que "não existe arte, somente artistas".

O artista transformado em negociante foi mercantilizado, e alienado de seu próprio meio, portanto coisificado. Deixou de produzir arte, e passou a gerar mercadorias, gerando assim a sociedade platônica ideal, sem artistas, tecnicista, puramente racional.

A solução para esse paradoxo está na política. Embora vejamos uma tentativa maldosa de tentar dissociar arte e política. Sim, arte e política são assuntos de interesse social, sem arte não suportaríamos a instabilidade do campo de batalha que é a sociedade, que é instável e caótica; e sem política não viabilizaríamos a produção artística, que está cada vez mais sufocada em um cenário de decadência política. Sem romantismo, precisamos que faça-se cumprir a proposta de acesso à cultura, disponibilizando mais espaços voltados para arte e cultura, acesso gratuito à museus, exposições, teatros, etc... Nunca esquecendo da valorização do profissional artístico.

Termino essa pequena reflexão com uma citação de Feuerbach

"nosso tempo, sem dúvida prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... o que é sagrado pra ele, não passa de ilusão... pois a verdade está no profano. Ou seja, a medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado."

Parafraseando Belchior, Espero que essas palavras, assim como faca, rasgue a carne de vocês.

4 bình luận


Carlos Pedroso
Carlos Pedroso
16 thg 2, 2023

As vezes chega dar raiva de ir em eventos e ver a galera não valorizando o trampo do artista. É sabido que vivemos uma crise social, financeira, de identidade que as vezes extrapola a compreensão das coisas. Ter jornadas duplas, e até tripla desestimula qualquer um que queria viver do seu próprio trabalho. As reflexões devem ser discutidas e pensadas para melhorar a qualidade de vida do artista, de quem consome a arte. Seu texto é mais que necessário para que possamos refletir sobre, o como tratamos nossos artistas.

Thích

Monique Mazzoli
Monique Mazzoli
16 thg 2, 2023

É de deixar sem palavras esse texto. É triste ver essa desvalorização, a jornada dupla, tripla, a falta de reconhecimento a altura dos esforços. O artista brasileiro não é um super star, ele não produz da casa de veraneio onde vai pra buscar inspiração, a inspiração vem no dia a dia e precisa esperar o expediente encerrar pra iniciar o outro turno, o da arte... que não é meramente um hobby, é toda uma vida de dedicação, estudos, e muito, mas muito trabalho.

Thích

Thành viên không xác định
16 thg 2, 2023

Ah, essa arte que não nos paga. Ou será que falta valor e sobram os preços… consumimos arte ou artesanato? A arte existe sem o artista, mas e o artista sem a arte? Sei de nada, mas os pensamentos me rasgaram aqui.

Thích
Angela Ikeda
Angela Ikeda
16 thg 2, 2023
Phản hồi lại

Agora sim, consegui me cadastrar aqui. Só pra não parecer que é a Alexa postando sozinha, né?! Obrigada, suporte técnico!

Thích

Aqui a gente fala sobre a cultura pop com bom humor e acidez na medida certa. Trazemos pautas que realmente importam e merecem ser discutidas.

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