No segundo volume da biografia em quadrinhos do icônico monge budista japonês, Ikkyu: Água 水, a narrativa dá um salto corajoso e necessário. Se o primeiro volume nos apresentou um jovem inquieto e questionador, agora vemos um Ikkyu mais maduro, mais astuto e, acima de tudo, testado pela brutalidade do mundo ao seu redor.

A história se desenrola no início do século XV, um período de trevas no Japão. Com a morte do xogum Ashikaga Yoshimitsu, o país mergulhou em uma crise política e social devastadora. Seus filhos, num show de ganância e ambição, disputam o trono enquanto o povo morre de fome nas ruas e estradas. É nesse cenário caótico que Ikkyu percorre seu caminho, experimentando em primeira mão a miséria e a violência que se alastram pelo país.
O mais impressionante é que, mesmo diante de tanto horror, Ikkyu não se desvia de sua busca pela Iluminação. E é justamente essa dicotomia que faz deste volume uma obra intrigante. Enquanto muitos cederiam ao desespero, ele persiste, questiona e se transforma. O quadrinho não se contenta em apenas retratar a trajetória do monge, mas mergulha fundo nas sombras da alma humana e na luz tênue da esperança espiritual.

A narrativa gráfica continua a impressionar. As ilustrações não são meras acompanhadoras do texto, mas guiam a atmosfera da história, misturando beleza e crueldade em cada quadro. A arte usa tons sombrios e traços detalhistas para capturar a sensação de um Japão medieval despedaçado, mas também sabe trazer o lirismo nas cenas de contemplação e reflexão do protagonista.

O roteiro é direto e ácido. Não há espaço para idealizações ou romantizações baratas. O sofrimento é exposto sem filtros, mas sem cair no sensacionalismo. É uma abordagem crua e, justamente por isso, eficaz. A transformação de Ikkyu não é apresentada como uma jornada de herói tradicional, mas como um caminho árduo e muitas vezes ingrato — uma escolha narrativa ousada e bem-vinda.

Se o primeiro volume acenava para o potencial da série, Ikkyu: Água é a prova concreta de que essa biografia em quadrinhos tem muito mais a oferecer. É uma leitura que desafia, incomoda e, ao mesmo tempo, instiga o leitor a continuar acompanhando a trajetória do jovem monge. Ao final, fica a certeza de que o caminho de Ikkyu ainda reserva muitos desafios — e que cada novo volume será uma oportunidade para nos surpreendermos novamente.
Que venha o próximo capítulo dessa história, pois, se o ritmo se mantiver, estaremos diante de uma das melhores representações do budismo japonês em quadrinhos.
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Muito bom! Ikkyu vem me surpreendendo a cada edição.