Texas Kid, My Bro: Violência herdada, ídolos podres e o peso da ficção
- Carlos Pedroso
- 29 de mai.
- 3 min de leitura
Quantas vezes você começou uma leitura esperando ação desenfreada e encontrou, no lugar disso, um soco emocional? Texas Kid, My Bro é esse tipo de quadrinho. Apesar do título e da premissa que remetem a faroestes e tiroteios, o que temos aqui é uma história profundamente emocional, com um foco dolorosamente humano. Não há grandes sequências de ação, mas há feridas abertas, traumas familiares e um estudo intenso sobre os efeitos de um passado violento.

A trama acompanha Radovan Brandt, um jovem e talentoso artista que tenta se desvencilhar da sombra do pai, Tomislav Brandt, o mundialmente reconhecido autor da série Texas Kid. Durante uma convenção em homenagem aos 50 anos da franquia, um evento estranho e surreal ocorre: um cowboy real surge e entra de forma abrupta na vida da família Brandt. Esse acontecimento desencadeia uma série de revelações e conflitos que obrigam Radovan a enfrentar os fantasmas de sua infância, os abusos paternos e a figura mítica do cowboy criado por seu pai — agora tão presente e ameaçador quanto uma memória traumática.
A narrativa se desenrola com uma sensibilidade crua, expondo os ciclos da violência: como abusos não resolvidos moldam adultos quebrados e perpetuam o sofrimento. A ausência de afeto, o desprezo e o ódio são sentimentos que escorrem pelas páginas, representados tanto nos conflitos íntimos entre pai e filho quanto na figura do cowboy que parece ter ganhado vida.

Um dos méritos da obra é justamente esse: mostrar como a ficção pode servir tanto como fuga quanto como prisão. O personagem Tomislav Brandt, mesmo sendo um homem desprezível, é responsável pela criação de um dos maiores ícones dos quadrinhos — o que levanta uma pergunta incômoda: até que ponto conseguimos separar o autor da obra? O quadrinho não nos oferece uma resposta simples, mas deixa claro que nem toda celebridade criativa é um herói fora das páginas.
A parceria entre Darco Macan e Igor Kordey, já conhecida por seus trabalhos em grandes títulos tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, mostra aqui mais uma vez sua sintonia excepcional. Juntos, eles entregam uma obra única, que mescla drama, ação e uma profunda reflexão sobre a criação e os heróis que moldam nossas vidas. Outro ponto importante: Texas Kid, My Bro marca o primeiro lançamento da editora Poptopia, que já estreia com ousadia ao apostar em uma HQ que combina densidade psicológica, crítica social e apelo visual. Uma escolha corajosa e promissora para um selo editorial que começa com o pé direito.

Texas Kid, My Bro surpreende por sua abordagem densa e seu tom sombrio. Trata-se de uma obra que consegue entreter ao mesmo tempo, em que provoca reflexão. Não é sutil, e nem pretende ser, ao tratar de temas como abuso, idolatria cega e o impacto intergeracional da dor. É uma leitura rápida, mas que permanece na mente por muito tempo.
Texas Kid, My Bro é uma HQ que usa o western como pano de fundo para algo muito mais profundo: um drama familiar visceral, um acerto de contas com o passado e uma crítica feroz à romantização de figuras públicas abusivas. Vale a leitura, especialmente se você gosta de quadrinhos que desafiam as convenções e colocam o dedo na ferida.
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