
A expansão de Star Trek
Com um grupo de fãs cada vez maior e um novo momento pós sucesso de Star Wars nos cinemas, Star Trek ganha uma nova chance que reuniu o elenco original para um longa metragem. O sucesso levou a mais filmes e a criação de Nova Geração (1987–1994), avançando 70 anos na cronologia do cenário e trazendo novos e icônicos personagens que entre atores e personagens ganhamos em diversidade.
A tripulação passou a contar com três mulheres no elenco principal: a conselheira Deanna Troi (Marina Sirtis), a oficial médica-chefe Dra. Beverly Crusher (Gates McFadden) e a tenente chefe de segurança Tasha Yar (Denise Crosby). Além do papel recorrente de Guinan, uma alienígena civil que tem um papel importante no desenvolvimento do capitão Picard, interpretada por Whoopi Goldberg.
Assim como tivemos também a inclusão de mais negros na ponte de comando como o engenheiro chefe Geordi La Forge (LeVar Burton) e o chefe de segurança e oficial tático Worf (Michael Dorn). Ainda que este último, por ser de uma espécie alienígena, estava sempre coberto de maquiagem. Personagens que não foram inseridos apenas para fazer número ou ficar bem em algum tipo de “agenda social”, pois cada um deles era essencial para as tramas, exerciam protagonismos a depender do episódio e não eram construídos de forma a ficarem presos a estereótipos de raça ou sexo.
Nos anos que se seguem tivemos Deep Space 9 (1993–1999), Voyager (1995–2001), Enterprise (2001–2005), e em cada uma destas séries o elenco se transformava e diversificava. Apenas para mencionar temos o primeiro capitão negro, Benjamin Sisko (Avery Brooks), sempre acompanhado por seu filho Jake (Cirroc Lofton) e o retorno do tenente comandante Worf; enquanto por parte das mulheres temos a tenente oficial de ciências Jadzia Dax (Terry Farrell) e a alferes Ezri Dax (Nicole de Boer).

Em Voyager encontrávamos a primeira capitã da franquia Kathryn Janeway (Kate Mulgrew) e um vasto elenco de mulheres em cargos importantes na ponte. situação que se repete em Enterprise com destaque para a subcomandante e oficial de ciências vulcana T'Pol (Jolene Blalock).
Embora a franquia tenha sido a primeira em colocar negros e mulheres em posição de protagonismo, o mesmo não podemos dizer da representação de comunidades LGBTQ que até Enterprise apresentou o tema apenas por meio de metáforas ou momentos bem pontuais. Infelizmente não podemos deixar de lembrar algumas decisões problemáticas como a sexualização de algumas personagens em especial com o uso de uniformes como a Borg Sete de Nove (Jeri Ryan) em Voyager ou Deanna Troi (Marina Sirtis) em Nova Geração. Questões estas que começam a ser melhor trabalhadas nas séries mais recentes: Discovery e Picard.
A nova jornada
A série Enterprise apresentou uma diminuição significativa de público e o fracasso de público do longa metragem Star Trek Nemesis em 2002, resultou no cancelamento da série e pela primeira vez, em quase vinte anos, que a franquia seria descontinuada. Mas seria por pouco tempo, primeiro ocorreu uma mudança entre os detentores dos direitos de produção e exibição de Star Trek, e depois de resolvido uma nova produtora assumiu com a proposta de um reinício: a Bad Robot de J.J.Abrams.

No ano de 2009 chegava aos cinemas um novo começo, uma releitura modernizada da série clássica com o retorno do Capitão Kirk, Spock e uma comandante Uhura ainda mais presente na ação. O filme trouxe uma nova geração de fãs, gerou continuações no cinema e chamou atenção para o ressurgimento do universo na TV, que ocorreu em 2018 com Star Trek Discovery, seguido de Picard em 2020.
Se os filmes iniciados por J.J.Abrams apresentaram releituras, repensando acontecimentos e assim um encadeamento próprio, os seriados assumiram a responsabilidade de serem inseridos na enorme cronologia estabelecida ao longo dos anos. Assim, enquanto Discovery resolve situar sua ação alguns anos antes da série clássica, Picard se passaria depois de tudo já exibido e focado em desenvolver o antigo capitão da Enterprise na Nova Geração em sua aposentadoria.
Questões de representatividade e inclusão passaram a ser ainda mais importantes e cada um dos programas conseguiu assumir essas demandas muito bem e de forma orgânica à trama. algo que podemos perceber desde seus protagonistas, pois se em Discovery, acompanhamos a jornada de Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) uma mulher negra que começa como especialista em ciência e alcança o cargo de capitão; em Picard, presenciamos os problemas da galáxia se confrontando com desafios de um herói, Patrick Stewart como Jean-Luc Picard, que reflete sobre o ocaso de sua existência.

Ambas as séries representam um novo estilo de narrativa que substitui os antigos “episódios da semana” para histórias mais contínuas, forma que possibilita aprofundar mais no desenvolvimento dos personagens. Assim, temos temas centrais para cada temporada que toma os conflitos intergaláticos como pano de fundo para debater sobre família, pertencimento, luto, relacionamento, enquanto confronta o ódio, a xenofobia ou o medo.
Observamos uma diversidade maior no elenco em relação a sexo, gênero e etnia, sempre buscando um equilíbrio de importância entre os personagens do elenco principal. Então além de Michael Burnham, encontramos mais cinco mulheres em cargos diferentes na nave, sendo uma negra, Joann Owosekun (Oyin Oladejo); um casal homosexual, Paul Stamets (Anthony Rapp) com Hugh Culber (Wilson Cruz), que protagonizaram o primeiro beijo gay da franquia; e mais recentemente tivemos um interessante arco de histórias que mostra a paixão da cadete Adira (Blu Del Barrio) pelo alienígena trans Gray (Ian Alexander).
"'Star Trek' sempre teve a missão de dar visibilidade a comunidades pouco representadas, porque acreditamos em mostrar um futuro em que as pessoas não sofrem divisões com base em suas raças, identidades de gênero ou orientações sexuais. Queremos mostrar que isso é possível e alcançável", disse Paradise. "Estamos muito orgulhosos de trabalhar com Blu, Ian e com a GLAAD para criar estes personagens extraordinários de forma compreensiva e empoderadora."
Enquanto em Picard, apesar de termos como protagonista um homem branco, ele já se encontra na casa dos 80 anos, algo bastante incomum, principalmente para uma série de ação. Além disso, esta série é mais introspectiva, sem envolver as grandes naves espaciais da Federação e por isso possui um elenco mais restrito com todos dividindo espaço com mais igualdade.
Ele se destaca bastante do resto da franquia, pois grande parte do elenco é formado por mulheres: Alison Pill faz Agnes Jurat, ex-médica da Frota Estelar e especialista em vida sintética , Isa Briones interpretou cinco personagens diferentes nas duas temporadas já lançadas; Michelle Hurd é Rafaella "Raffi" Musiker, a ex-primeira oficial da Frota Estelar que foi desligada por abuso de substâncias ilícitas; Orla Brady é Laris; e temos o retorno de Jeri Ryan, atriz que participou da série Voyager como a ex-Borg Sete de Nove. Para completar o grupo que acompanha Picard, temos o piloto Cristobal "Chris" Rios (Santiago Cabrera), venezuelano de nascimento, mas chileno na série.

Questões de gênero são mais uma vez deixadas em segundo plano, não escondendo sua representação, mas sem se transformar em temas para tramas específicas, são interações que aparecem ao longo dos episódios como parte do desenvolvimento dos personagens e que no terceiro ano ainda não exibido pode ter mais importância.
Conclusão
Nessa breve apresentação conhecemos um pouco sobre a trajetória da série Star Trek uma franquia que desde sua concepção brincava com o sonho de levar a humanidade para a fronteira final, mas sempre provocando o espectador para refletir sobre a própria existência, uma ficção científica sobre um futuro utópico, mas que encontrou espaço para discutir os problemas da sociedade contemporânea.
Passando por momentos de maior ou menor audiência, que exigiu de seus criadores que a franquia sempre se reinventasse, o desafio era manter sua principal característica: trazer questões relevantes para a reflexão. Seja em meio às tramas ou dentro da própria subjetividade na escolha do elenco, Star Trek sempre desafiou o seu tempo com a inserção de atores em personagens que não eram comuns para os papeis sociais a eles designados, direta ou indiretamente ela combatia preconceitos de etnia, sexo, religião, etc.
Felizmente, ela também representa os avanços sociais que a duras penas vamos conquistando, se na década de 1960 colocar uma mulher em papel de destaque com um personagem “científico” ou de “comando” era um desafio, é cada vez mais comum encontrarmos protagonistas de diferentes culturas, identidades, etnias, sexos e idades não como estereótipos, mas conflitos próprios.
E pensando mais além, se esse pequeno papel, que ainda era subordinado a dupla de protagonistas, foi tão importante para identificar o aumento no número de homens não brancos inscritos para cargos na NASA, qual seria o impacto na sociedade se a produção cultural tratasse a diversidade como algo natural?
Não apenas isso, essa necessária diversidade também só terá impacto real caso a inclusão aconteça não apenas de forma quantitativa. Não basta apenas inserir mais mulheres, negros, idosos, LGBTs, latinos, etc, etc. Os personagens criados para esses atores precisam ter papéis significativos nas narrativas, muito além da intenção, é preciso se atentar a forma como é feito.
Bibliografia
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Zanolini, Mauricio. Star Trek: uma história de liderança, amizade, diversidade e amor pela vida. Papo de Homem. https://papodehomem.com.br/star-trek-uma-historia-de-lideranca-amizade-diversidade-e-amor-pela-vida/
Speigel, Lee. Nichelle Nichols On Having First Major Black Female TV Role And That First Interracial Kiss On 'Star Trek'. Huffpost. 2017. https://www.huffpost.com/entry/nichelle-nichols-star-trek-uhura_n_1244343
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Star Trek and Color Television Households. 2016.
Pipoca Moderna. Star Trek: Discovery inclui primeiros personagens trans e não binário da franquia futurista. Portal Terra. 2020. https://www.terra.com.br/diversao/cinema/star-trek-discovery-inclui-primeiros-personagens-trans-e-nao-binario-da-franquia-futurista,96879b51ad4ecf2c2f139781628ec143wk48tm89.html
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