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  • Foto do escritorRonaldo Gillet

As Estranhas Aventuras de Tom King e suas reinvenções heroicas


Estranhas Aventuras, lançado em 2021 e eu me pergunto por que razão, motivo ou circunstância não li essa obra antes. Esqueçam o Batman de King (realmente a fase dele roteirizando o Morcegão passa longe de ser elogiável) e aceitem o fato de que o ofício de contar histórias complexas e carregadas de significado é algo que o autor estadunidense faz com os pés nas costas - quando ele quer.

Por meio do personagem Adam Strange e suas estranhíssimas aventuras, King nos apresenta uma narrativa que desafia nossas pseudo-noções de heroísmo, jogando o leitor em uma teia de mistérios e dilemas morais que ecoam na sociedade contemporânea. A parceria com o Mitch Gerads, responsável pela arte, é tão perfeita quanto assistir De Volta Para o Futuro com dois litros de Guaraná Antártica e um balde infinito de pipoca. Cada quadro de Gerads traduz a tensão e a ambiguidade da trama de forma única.

A profundidade com que King explora o cinismo e a dualidade de Adam Strange nas idas e vindas do personagem ao planeta Rann, lar adotivo do personagem - um mundo distante situado na galáxia de Alfa Centauri, conhecido por seu avanço tecnológico e paisagens deslumbrantes - é o pano de fundo perfeito para conflitos devastadores adicionados a cada capítulo.

Para quem nunca ouviu falar no personagem, Adam é um arqueólogo terráqueo que foi transportado para Rann por meio do chamado ‘raio Zeta’, uma tecnologia desenvolvida pelos cientistas rannianos. No entanto, o planeta está longe de ser um paraíso. Rann é frequentemente ameaçado por invasores alienígenas, e sua população vive sob constante ameaça de destruição.


Adam Strange, ao lado de sua esposa Alanna, tornou-se o defensor do planeta, lutando em guerras brutais para proteger seu povo adotivo. Contudo, por trás das batalhas épicas, Rann esconde segredos sombrios, com seu povo e governantes frequentemente retratados de maneira complexa e moralmente ambígua, fazendo de Rann um cenário tanto de heroísmo quanto de tragédia.


É aí - com base em tudo o que você leu nos dois parágrafos anteriores, que King brilha, transformando o herói clássico em uma figura enigmática que questiona seus próprios ideais em meio a um cenário de desconfiança e cinismo.


O que torna Estranhas Aventuras tão cativante é a maneira como King encapsula sua crítica ao colonialismo nas entrelinhas da história, criando uma narrativa que é ao mesmo tempo épica e intimista. A construção da história e o desenvolvimento dos personagens são quase impecáveis, com cada capítulo nos deixando mais imersos na psique de Adam Strange e nos dilemas que ele enfrenta. É uma HQ que, ao mesmo tempo em que homenageia as aventuras pulp de épocas passadas e, em um segundo plano, oferece uma análise sofisticada dos efeitos da guerra - tanto no campo de batalha quanto na mente de seus protagonistas.


Tom King se solidificou como um dos maiores autores contemporâneos dos quadrinhos, entregando obras que transcendem o convencional e desafiam o gênero dos super-heróis. Três de suas criações mais notáveis - Senhor Milagre, Supergirl: A Mulher do Amanhã e Alvo Humano - eu pude ler ao longo dos últimos anos. Todas elas são exemplos contundentes de sua capacidade de explorar temas complexos com uma profundidade rara.

Em Senhor Milagre, King nos conduz por uma narrativa que desconstrói o conceito de heroísmo por meio das atitudes impulsivas de Scott Free, o mestre da fuga, que enfrenta não apenas a tirania de Apokolips, mas também seus próprios demônios internos. Aqui, King não só explora a opressão cósmica, mas também a depressão e o suicídio, temas tratados com uma sensibilidade ímpar. A obra transcende o espaço das batalhas intergalácticas e se concentra no interior do protagonista, resultando em uma leitura poderosa e emocionalmente carregada. A arte de Mitch Gerads (mais uma vez) complementa essa jornada de maneira magistral, com traços que capturam tanto a grandiosidade dos cenários quanto a intimidade dos momentos mais vulneráveis de Scott.


Já em Supergirl: A Mulher do Amanhã, o leitor é levado para uma ode cósmica, mas o que realmente ganha destaque é como King ressignifica a personagem Kara Zor-El. Nesta obra, Supergirl é mais que uma heroína poderosa; ela é uma guerreira forjada pela dor e pela perda. A trama se desenrola como uma verdadeira epopeia espacial, explorando as emoções de Kara, suas falhas e sua humanidade. A narrativa se apoia em uma jornada de vingança e redenção, mas o que King entrega é uma história profundamente pessoal sobre identidade e propósito. A arte de Bilquis Evely é um espetáculo à parte, traduzindo a vastidão do cosmos e a intensidade emocional da protagonista.



Alvo Humano, por sua vez, é uma obra que mistura o noir com o psicológico, explorando as últimas semanas de vida de Christopher Chance, um homem que literalmente se coloca no lugar dos outros para proteger suas vidas. Envenenado e com apenas alguns dias de vida sobrando, Chance embarca em uma investigação para descobrir quem tentou matá-lo, mergulhando em um submundo onde confiança é um artigo de luxo. King utiliza essa premissa para tecer uma história envolvente, repleta de reviravoltas, onde a tensão é uma montanha russa desenfreada. Nesse trabalho, a arte de Greg Smallwood é fundamental para o tom da narrativa, com uma estética que captura perfeitamente o clima sombrio e introspectivo da trama.


As três obras, cada uma distinta em sua abordagem, compartilham a marca registrada de Tom King: a capacidade de explorar o interior de seus personagens de maneira que os torna extraordinariamente humanos. Não são apenas contos heróicos; são meditações sobre a condição humana, medo, coragem, dúvida e esperança. King, junto com seus colaboradores artísticos, entrega narrativas que ressoam muito além das páginas, deixando marcas indeléveis nos leitores. Estranhas Aventuras, Senhor Milagre, Supergirl: A Mulher do Amanhã e Alvo Humano parecem ter sido concebidas para furar a bolha dos quadrinhos; são experiências literárias que redefinem o que significa ser herói na contemporaneidade.

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