Você já se sentiu imerso em um mundo onde tudo parece estar de cabeça para baixo, onde a lógica foi abandonada? Pois é exatamente assim que enxergo o atual cenário dos influenciadores de quadrinhos. Um ambiente tomado por uma guerra de egos, onde a prioridade deixou de ser o conteúdo em si para dar lugar ao que eu chamo de “estantismo” – a obsessão por exibir suas coleções como troféus, sem o devido interesse em compartilhar discussões significativas. O pior é que esse comportamento não se restringe apenas às prateleiras: temos o conteúdo "robótico", criado por quem parece programado para produzir algo vazio, sem alma. Além disso, proliferam as páginas que se autointitulam "informativas", mas que, na prática, apenas replicam notícias na tentativa de surfar no hype. Nada de original, nada de genuíno. Só a pressa por cliques.
Não me entenda mal, eu também estou inserido nesse meio e muitas vezes me questiono: por que continuo? Talvez seja pelo amor que tenho aos quadrinhos, ou talvez pelo medo de reconhecer que essa imersão na bolha do “recebido” já não faz sentido em minha vida.
Mas, após essa longa reflexão, vamos ao ponto que interessa: para quem realmente falam os influenciadores de quadrinhos? Para o público ou para as editoras? Essa é uma pergunta que venho me fazendo há algum tempo. Observando o comportamento de boa parte da comunidade, percebo que muitos estão mais preocupados em agradar editoras do que em dialogar com leitores. É uma troca desleal, onde a independência crítica é sacrificada em nome de brindes e pacotes de quadrinhos gratuitos. De repente, a honestidade deu lugar ao marketing. E, nesse cenário, quem perde é o leitor, que consome um conteúdo filtrado por interesses comerciais.
Parece que em algum momento do caminho nos perdemos. A fala sobre quadrinhos deixou de ser uma troca entre amigos, uma conversa apaixonada sobre aquela leitura que nos tocou profundamente. Hoje, muito do que vemos é um discurso fabricado para agradar, para manter a “parceria”, para garantir que os pacotes continuem chegando. E o que se perde nisso? A autenticidade, a alegria da descoberta, a verdadeira paixão pela arte de contar histórias. Quando um influenciador fala apenas de quadrinhos que recebe, a essência se dilui. Ele se torna apenas mais um na multidão, sem personalidade, sem voz própria. Entra no que chamo de ciclo sem fim: recebe, posta, lê e repete. E em nenhum momento pararam para se perguntar: “Eu realmente gosto desse quadrinho ou estou apenas fazendo isso porque recebo de graça?”
Esse comportamento acende um alerta. Muitos influenciadores reclamam do baixo engajamento, da falta de interação com o público. Mas será que isso não é, de fato, um reflexo do desgaste de um conteúdo que, para o público, já soa vazio? O leitor percebe quando está sendo tratado como consumidor passivo de publicidade disfarçada de opinião. E a confiança, uma vez quebrada, é difícil de recuperar. Podemos culpar o algoritmo, mas será que o problema não está também na superficialidade do conteúdo que está sendo oferecido? Essa conduta prejudica a própria comunidade dos quadrinhos, que parece ter mais pessoas interessadas em divulgar do que em ler e debater as obras. Muitos falam de quadrinhos que sequer têm vontade de ler, promovem editoras mesmo sem gostar do que elas publicam. Isso cria uma desconexão entre o influenciador e seu público, que percebe a falta de sinceridade.
Claro, nem tudo está perdido. Apesar desse cenário, ainda há quem resista. Existem criadores de conteúdo que continuam a falar de quadrinhos com paixão, que mantêm suas convicções, que expressam suas opiniões sem se vender a brindes ou parcerias. São eles que me fazem acreditar que ainda há esperança, que nem tudo está à venda. Esses criadores são a luz no fim do túnel, mostrando que é possível, sim, ter uma voz independente e autêntica. Eles nos lembram que nem tudo precisa ser transformado em propaganda e que a verdadeira essência dos quadrinhos ainda pode sobreviver à avalanche de marketing disfarçado. Não me entenda mal, parceria é bom, todo mundo gosta, mas a partir do momento que isso torna-se o foco do seu conteúdo, a coisa parece perder o sentido de ser.
Como destaca o sociólogo Pierre Bourdieu em seus estudos sobre o campo cultural, a luta por legitimidade dentro de qualquer esfera de produção artística envolve um constante embate entre aqueles que buscam reconhecimento econômico e aqueles que se pautam por um capital simbólico mais autêntico, uma posição que, muitas vezes, exige a renúncia a certos privilégios materiais. É exatamente esse embate que vemos hoje no mundo dos influencer de quadrinhos: uma disputa entre a autenticidade e o desejo por visibilidade, onde muitos se deixam levar pelo brilho falso das recompensas imediatas.
Talvez ainda exista uma comunidade de leitores genuínos, preocupados com a arte, com a narrativa e com o prazer de ler. Aqueles que estão no jogo do "recebido" vão continuar, claro, mas me arrisco a dizer que, com o tempo, seu impacto vai se diluir. As pessoas querem mais do que um eco vazio de opiniões compradas. Querem autenticidade, e, quem sabe, uma hora esses influenciadores percebam que podem fazer os dois: colaborar e, ao mesmo tempo, manter uma voz verdadeira.
Bourdieu, Pierre. A Distinção: Crítica Social do Julgamento.
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Inquietação bem pertinente. "Publicidade disfarçada de opinião", parece que tudo está a venda, porque tem que ter recebidos, ganhar dinheiros com o que se posta, o que se gosta, o que se mostra... Seria bom ter os pensamentos valorizados, pois nem tudo tem que ter engajamento, não é?! Gostei da lembrança à Bourdieu, em busca de um "capital simbólico autêntico".
Bela e necessária reflexão! Quando tudo é transformado em mercadoria, o barateamento reina. Arte passa a correr esteiras Fordianas e a crítica vem enlatada, não existe paixão num universo previsível, fabricado e mercantilizado... cada dia estamos mais distantes de nós mesmos, estamos nos coisificando....